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Módulo 1: Fundamentos da Fisiologia Respiratória

Funcionamento do sistema pulmonar: entenda mais sobre os processos e mecanismos envolvidos na respiração para que ocorram adequadamente as trocas gasosas

O sistema respiratório é responsável por garantir a oxigenação do sangue por meio das trocas gasosas (também conhecidas por hematose), em que ocorre a captação de Oxigênio (O2) do ar ambiente e a liberação de Dióxido de Carbono (CO2), permitindo o funcionamento adequado dos órgãos e tecidos do corpo humano.

O oxigênio que é captado pelas vias aéreas respiratórias representa 21% do ar atmosférico, sendo este composto também de argônio, nitrogênio, dióxido de carbono e outros gases.

Segundo WEST, John B, o transporte de O2 e o CO2 do ar atmosférico para o sangue ocorre por difusão simples, sendo a barreira hematogasosa a responsável por facilitar esse processo, devido  à sua membrana delgada e rica em capilares que envolvem, aproximadamente, 300 milhões de alvéolos presentes nos pulmões. Já para ROCCO, Patricia R.M; et al, nos seres humanos, a superfície pulmonar encarregada das trocas gasosas possui cerca de 480 milhões de alvéolos pulmonares, podendo variar entre  270 e 790 milhões, com base na altura e no volume pulmonar do indivíduo.

A respiração é fundamental para garantir a existência dos seres humanos, sendo o oxigênio e o CO2 os principais gases presentes no sistema pulmonar.

Imagem de anatomia do sistema cardiopulmonar

O que caracteriza a pequena e grande circulação?

A circulação pulmonar, conhecida como pequena circulação, carrega o sangue do coração para os pulmões e depois retorna ao coração após as trocas gasosas. Já a circulação sistêmica ou grande circulação, carrega o sangue do coração para o corpo e vice-versa.

A pequena circulação ou circulação pulmonar inicia-se quando o sangue sai do coração através do ventrículo direito e da artéria pulmonar em direção aos pulmões. A artéria pulmonar ramifica-se até os capilares que envolvem os alvéolos pulmonares para que ocorram as trocas gasosas (hematose), que se caracterizam pela passagem do CO2 presente no sangue (capilar) para o interior dos alvéolos, e do oxigênio presente nos alvéolos para o interior do capilar.

Após o processo de hematose, o sangue segue pelas veias pulmonares, que são responsáveis por retorná-lo ao coração, sendo recepcionado pelo átrio esquerdo, que fará o bombeamento para os órgãos e tecidos. Esse mecanismo é designado como a grande circulação.

Imagem do corpo humano com a nomenclatura de cada região do sistema pulmonar

Anatomia do Sistema Respiratório: conheça as principais funções

O sistema respiratório é composto pelas vias aéreas superiores, vias aéreas inferiores e pulmões. Sua estrutura garante que a condução do ar pelo nariz chegue até os alvéolos,  permitindo a troca gasosa adequada.

As vias aéreas superiores têm como função a condução, umidificação e aquecimento do ar inalado, além da capacidade de filtrar as partículas e corpos estranhos presentes. Já as vias aéreas inferiores, compostas pela traqueia, brônquios, bronquíolos, alvéolos e pulmões, são responsáveis pela troca gasosa, na qual o oxigênio do ar inspirado captado pelas vias áreas superiores, se difunde dos alvéolos para os capilares, sistema de irrigação sanguínea, enquanto o dióxido de carbono se difunde dos capilares para os alvéolos, para ser exalado.

O pulmão direito - formado por 3 lóbulos - e o pulmão esquerdo - formado por 2 lóbulos -,  são revestidos pela membrana pleural cuja função é promover a  proteção dos pulmões do atrito contra a parede torácica durante a ventilação pulmonar.  Além disso, entre a porção interna dos dois pulmões, existe o mediastino que acomoda o coração, a traqueia e grandes vasos.

Contudo, para que ocorra a ventilação pulmonar é preciso compreender que, para o ar entrar e sair pelos pulmões, se faz necessária a interação entre as vias aéreas superiores e inferiores, sendo estas chamadas de zona de condução e zona respiratória.

Imagem ilustrativa do sistema respiratório evidenciando o processo de inspiração e expiração

Entenda como a mecânica respiratória contribui na função pulmonar

Para que ocorra a entrada e saída do ar nos pulmões, também é necessário um conjunto de ações que envolvem a caixa torácica, as vias áreas superiores e inferiores e os músculos presentes na respiração, como os intercostais e o diafragma. 

A inspiração é o conjunto de movimentos dos músculos diafragma e intercostais que permite a entrada de ar nos pulmões. A contração do diafragma provoca um recuo do mesmo e os  intercostais coordenam a abertura dos arcos costais, fazendo com que haja a expansão da caixa torácica. Essa expansão ocasiona uma diferença no gradiente de pressões, tornando a pressão intratorácica menor que a pressão atmosférica, fazendo com que o ar entre pelas vias respiratórias, chegando até os alvéolos, para que ocorram as trocas gasosas.

Já a expiração consiste no relaxamento dos músculos intercostais e do diafragma, fazendo que o ar, de maneira passiva, saia do interior dos pulmões. Ao contrário do que ocorre na inspiração, há uma redução do volume da caixa torácica, que volta ao seu tamanho de repouso, ocasionando uma retração dos pulmões e aumento da pressão intratorácica em relação à pressão externa, o que permite que o ar seja exalado.

Imagem ilustrativa representando a mecânica respiratória da complacência e elastância

Complacência e Elasticidade pulmonar: conheça a diferença

A complacência pulmonar é a capacidade que o pulmão tem de se expandir durante a respiração de acordo com a mudança de volume ocorrida nesse processo. É definida pela variação do volume pulmonar que resulta em alteração na pressão intrapulmonar. Segundo o III Consenso de Ventilação Mecânica, os valores de complacência considerados normais são de 60 a 100 ml/cmH2O. A alteração dessa capacidade de distensão pulmonar, acarreta em dificuldade na inspiração.

a elastância, que é a capacidade que o pulmão tem de voltar a sua forma original depois de uma expansão, quando comprometida, gera dificuldade expiratória.

Quando há comprometimento do tecido pulmonar por alguma patologia, trauma ou processo cirúrgico, pode ocorrer a formação de fibrose ou edema, que interfere na contração e retração pulmonar provocando a redução da complacência.

A importância da relação Ventilação/Perfusão (V/Q)

Para que ocorra uma troca gasosa adequada é necessária a interação dos mecanismos de ventilação (V) e perfusão (Q). A ventilação é a responsável pela movimentação do ar para os pulmões e para o meio externo. Já a perfusão, é onde ocorre a captação do oxigênio que será distribuído aos tecidos e direciona o dióxido de carbono para o meio externo.

Em condições normais, essa relação deve ser próxima de 0,8 (ventilação alveolar Valv: 4 l/min dividido pela perfusão de 5  l/min) levando em consideração que nem todo ar inspirado e fluxo sanguíneo participam desse processo, sendo esses denominados como espaço morto e shunt.

  • Espaço Morto: fluxo de ar que não participa das trocas gasosas, sendo esse dividido em espaço morto anatômico - porção de ar presente nas vias áreas - e  espaço morto alveolar - porção de ar em que não ocorre a perfusão.
  • Shunt:  fluxo sanguíneo que não participa das trocas gasosas, classificado como shunt anatômico - porção de sangue que não passa pela circulação pulmonar - e  shunt fisiológico - porção de sangue que não participa do processo por obstrução, como em casos de broncoespasmo.

O parênquima pulmonar é dividido entre ápice e base e a relação V/Q  é distribuída de maneiras diferentes de acordo com a posição em que o indivíduo se encontra, como em pé (posição ortostática) ou deitado (decúbito dorsal, ventral e lateral). Normalmente, a base pulmonar recebe mais sangue e é melhor perfundida do que o ápice, isso devido à ação da gravidade. 

Por esse motivo, para que se compreenda melhor a distribuição ventilação/ perfusão no pulmão, esse processo foi dividido em áreas, sendo a zona I a região apical, zona II - região 1⁄3 superior do pulmão e a zona III a região de base.

Contudo, para garantir um equilíbrio entre o transporte ideal de gases e a barreira hematogasosa, é preciso que esse processo ocorra em condições favoráveis, para que se evite situações como hipoxemia, umas das principais consequências em pacientes com doenças pulmonares e com alterações na relação V/Q.

Infográfico que ilustra a troca gasosa ocorrida no sistema cardiopulmonar e sistêmico

Saiba mais sobre como o Transporte de Gases

A pressão exercida na respiração e a alteração do volume torácico, proporcionam a entrada e saída de ar nos pulmões através da inspiração e expiração, o que resulta na troca gasosa.

Nos alvéolos pulmonares, o oxigênio se desloca e é transportado através da hemoglobina (proteína presente nos glóbulos vermelhos, conhecida como hemácias) nos capilares sanguíneos e distribuído aos tecidos periféricos, sendo esse processo conhecido como difusão, que é a passagem do ar através da membrana alvéolo-capilar.

Já o CO2 é transportado não somente pela hemoglobina, como também dissolvido no plasma (parte líquida do sangue, responsável pela nutrição celular), chegando da corrente sanguínea aos alvéolos para ser eliminado através da exalação. Esse mecanismo acontece por meio da relação com íons de bicarbonato (HCO₃⁻) catalisado por um enzima também presente nos glóbulos vermelhos.

A seguir,  saiba sobre a atuação do centro respiratório, que é responsável por ajustar os níveis de O2 e CO2 no sangue através da presença de quimiorreceptores que dão o comando e o estímulo para a respiração, ajustando a quantidade adequada e equilibrada dos gases no sangue.

Controle do Sistema Respiratório

O Centro Respiratório, localizado no bulbo e tronco cerebral, presentes no sistema nervoso central, é o responsável pelo controle da função pulmonar e regulação da frequência respiratória, dos volumes e capacidades pulmonares.

Em sua estrutura há quimiorreceptores centrais que detectam a variação nos níveis de PaCO2 e pH sanguíneo e quimiorreceptores periféricos que estão presentes na carótida e aorta. Estes, por sua vez, fazem a detecção da variação de PaO2 e respondem de forma a alterar o ritmo respiratório por meio da ação dos músculos respiratórios, especialmente o diafragma, cujo nervo frênico o aciona por meio de feedbacks.

O organismo responde a variações de diferentes formas também, como em casos onde há detecção de excesso de acidez (redução do pH sanguíneo, menor que 7,35) ou de CO2 no sangue, que ativa diretamente o centro respiratório. Uma vez que ativado o centro respiratório, ocorre então um aumento da ventilação pulmonar com o objetivo de exalar o dióxido de carbono e assim normalizar o pH corpóreo. Já para alterações dos níveis de oxigênio, os quimiorreceptores periféricos quando detectam a redução, intensificam os estímulos nervosos para o centro respiratório, que responde aumentando a frequência respiratória e a oxigenação.

Alterações do Equilíbrio Ácido - Base

Tipo Alteração Primária Resposta Secundária

 Mecanismo de resposta secundária

Acidose Metabólica

Diminui HCO₃⁻

Diminui PaCO2

Hiperventilação
Alcalose Metabólica

Aumenta HCO₃⁻

Aumenta PaCO2

Hipoventilação

Acidose Respiratória

Aumenta PaCO2

Aumenta HCO₃⁻ Aumento transitório da excreção de ácido e da reabsorção de HCO₃⁻ pelo sistema renal
Alcalose Respiratória Diminui  PaCO2 Diminui HCO₃⁻

Redução transitória da excreção de ácido e redução da reabsorção de HCO₃⁻ pelo sistema renal

Conheça os volumes e capacidades pulmonares

A ventilação pulmonar consiste nas movimentações cíclicas de inspiração e expiração que resultam na entrada e saída do ar nos pulmões. Para entender mais sobre os volumes e capacidades pulmonares, é de suma importância conhecer alguns conceitos e parâmetros basais, como:

  • Frequência ou taxa respiratória - 12 a 20 rpm (respirações por minuto) em adultos:  refere-se ao ato normal de respirar;
  • Volume corrente (VC) -refere-se a quantidade de ar inspirado ou expirado a cada ciclo respiratório, em situação de repouso. Conforme MACHADO, Felipe Dominguez; et al., o volume corrente comumente utilizado em ajustes iniciais varia de 6 a 8 ml/Kg de peso predito. De acordo com as Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica de 2013, o volume corrente varia  4 a 8 ml/kg (sendo considerada essa variável até 10 ml/kg para pacientes com doenças neuromusculares). O VC é definido por meio do cálculo do Peso Predito (PP) de acordo com o sexo e altura do indivíduo, como exemplo::
  1. PP em Homens (kg) = 50 + 0,91 x (altura em cm – 152,4);
  2. PP em mulheres (kg) = 45 + 0,91 x (altura em cm – 152,4).
  • Volume minuto - 5 a 10 l/min:  valor do volume corrente multiplicado pela frequência respiratória. Refere-se ao volume ventilado por minuto.

De acordo com ROCCO, Patricia R.M; et al., os valores acima podem ser alterados de acordo as características dos indivíduos, como: sexo, idade, superfície corporal, atividade física, postura; ou em situações adversas, como doenças pulmonares, cardiovasculares, neuromusculares e infecciosas. Esses dados nos permitem identificar o padrão respiratório atual, classificando-o de acordo com as denominações abaixo:

  • Eupneia: respiração normal com 12  a 20 ciclos por minuto;
  • Bradipneia: diminuição da frequência ou taxa respiratória;
  • Taquipneia: aumento da frequência ou taxa respiratória;
  • Hiperpneia: aumento  do volume corrente;
  • Hipopneia: diminuição do volume corrente;
  • Hipoventilação: redução do volume minuto;
  • Hiperventilação: aumento do volume minuto;
  • Apneia: interrupção da respiração após o final da expiração;
  • Dispneia: sensação de falta de ar.

Para estudar os volumes e as capacidades pulmonares é necessário realizar um exame médico chamado Espirometria. Nesse exame, é possível detectar os seguintes dados da ventilação pulmonar:

  • Volume de Reserva Inspiratório (VRI) -  3 l: volume de ar gerado em uma inspiração forçada;
  • Volume de Reserva Expiratório (VRE) - 1,1 l: volume de ar gerado em uma expiração forçada;
  • Volume Residual (VR) - 1,2 l: volume de ar que permanece nos pulmões mesmo após uma expiração forçada;
  • Capacidade Inspiratória (CI = VC+VRI):  quantidade máxima de ar que um indivíduo pode inspirar , iniciando após uma  expiração normal;
  • Capacidade Residual Funcional (CRF = VRE+VR): quantidade de ar que permanece nos pulmões ao final de uma expiração normal;
  • Capacidade Vital (CV = VRI+VC+VRE): quantidade máxima de ar que um indivíduo pode exalar dos pulmões após inspirar ao máximo e então, expirar ao máximo;
  • Capacidade Pulmonar Total (CPT = CV+VR): volume total que os pulmões podem expandir após uma inspiração forçada;
  • Volume do Espaço Morto (VM): volume de ar presente nas vias aéreas superiores ( porção condutora), que não participa das trocas gasosas;
  • Taxa de Ventilação Alveolar: volume de ar novo que entra na porção respiratória das vias aéreas por minuto. É calculado pelo produto da frequência respiratória pela quantidade de ar novo que entra na porção respiratória das vias aéreas a cada respiração.
Gráfico de volumes e capacidades pulmonares

Conclusão

A fisiologia respiratória é essencial para entender como o corpo humano capta o oxigênio necessário para sobrevivência e como elimina o dióxido de carbono produzido pelo metabolismo celular. Esse mecanismo envolve uma cadeia interativa entre os sistemas pulmonar, cardiovascular e cerebral, garantindo a homeostase e o equilíbrio ácido-base. Portanto, compreender o sistema respiratório e sua resposta a diferentes condições fisiológicas é fundamental para a manutenção da saúde, bem como para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças sistêmicas e pulmonares.

Parabéns!! Você concluiu o módulo 1!!

 Nos conte o que achou do conteúdo e siga para o próximo módulo.

Módulo 2: Fisiopatologia Respiratória

Conheça os princípios básicos do sistema pulmonar em condições adversas

Referências

AIRES, Margarida - Fisiologia, 4° Edição. Seção 6 - Capítulos 38 a 41 |  Disponível aqui
NEDER, José Albert; et al - Educação continuada: Fisiologia Respiratória- Função Pulmonar: o que constitui (a) normalidade? | 2022 | Disponível aqui
Diretrizes para Testes de Função Pulmonar | 2002 | Disponível aqui
WEST, John B - Fisiologia Respiratória, 7° Edição | Disponível aqui
MACHADO, Felipe Dominguez; LEMOS, Guilherme Eder; DULLIUS,  Cynthia R; BALDISSEROTTO Sérgio - VENTILAÇÃO MECÂNICA: COMO INICIAR | 2018 | Disponível aqui
MANÇO, José Carlos - Fisiologia e Fisiopatologia Respiratórias | 2018 | Disponível aqui
ASSOCIAÇÃO DE MEDICINA INTENSIVA BRASILEIRA AMIB; Associação Brasiliera de Medicina Intensiva brasileira; SBPT, Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia -  Diretrizes brasileiras de Ventilação Mecânica | 2013 | Disponível aqui
CARDOSO, Elisabeth da Cruz - Fisiologia Respiratória | 2019 | Disponível aqui
EVORA, Paulo. Fisiologia Respiratória Revisão | 2017
Barbas CSV, Ísola AM, Farias AMC, Cavalcanti AB, Gama AMC, Duarte ACM, et al. Recomendações brasileiras de ventilação mecânica 2013. Parte Rev I. Bras Ter Intensiva.| 2014 | Disponível aqui
Ram FS, Lightowler JV, Wedzicha JA. Non-invasive positive pressure ventilation for treatment of respiratory failure due to exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease. Cochrane Database Syst Rev. 2003;(1):CD004104. Update in: Cochrane Database Syst Rev | 2004 | Disponível aqui
Rede NHLBI ARDS | Estudos clínicos | Disponível aqui
ORIENTAÇÕES SOBRE SUPORTE VENTILATÓRIO INVASIVO NA COVID-19| 2019 | Disponível aqui
Recomendações brasileiras de ventilação mecânica 2013. Parte 2 | 2013| Disponível aqui